Com o reconhecimento do Brasil, o novo desafio é garantir a sustentabilidade sanitária alcançada
Após receber o certificado de país livre de febre aftosa sem vacinação da Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa), no dia 06 de junho, em Paris, o Brasil abre caminho para a ampliação de mercados internacionais para a carne bovina e outros produtos de origem animal. Com a conquista surgem também novos desafios para que o setor possa manter o status. O papel de médicos-veterinários e zootecnistas nesse momento será novamente essencial.
“Este é um dia histórico, que comprova a força da nossa sanidade agropecuária e abre grandes oportunidades comerciais. Receber o certificado é motivo de orgulho nacional. Um resultado de mais de 60 anos de trabalho sério e comprometido dos nossos estados e de todos que atuam nesse setor”, comemorou o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
Para Gabriel Adrian Sanchez Torres, médico-veterinário especializado em febre aftosa do Centro Panamericano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (Panaftosa) da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a atuação dos profissionais da Medicina Veterinária é decisiva na prevenção e vigilância da febre aftosa.
“Esse profissional, especialmente da iniciativa privada, tem papel crucial na orientação aos produtores rurais para a adoção de medidas de biosseguridade nas propriedades e, ainda, detecção precoce e notificação de uma eventual suspeita da doença. Esse protagonismo vem crescendo ao longo do tempo e é irreversível. O médico-veterinário privado, de campo, representa os olhos do Serviço Veterinário Oficial (SVO) dentro da propriedade rural. É impossível ao SVO estar em todas, ou mesmo em um número significativo de propriedades simultaneamente, de modo que cabe a quem está a campo ficar atento a possíveis sinais clínicos de doenças vesiculares”, enfatiza o representante da Panaftosa.
O diretor técnico do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Leonardo Burlini Soares, destaca que, mais do que um certificado internacional, esse reconhecimento representa segurança dos alimentos, competitividade e novas oportunidades para o País. “É um orgulho para o Brasil e para quem trabalha no setor. O CRMV-SP destaca a relevância da atuação dos médicos-veterinários e zootecnistas para essa conquista e reforça seu apoio ao fortalecimento dos SVOs”, disse.
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), ao todo, mais de 244 milhões de bovinos e bubalinos, em cerca de 3,2 milhões de propriedades, deixarão de ser vacinados contra a doença, trazendo uma redução de custo direta, com a aplicação da vacina, de mais de R$ 500 milhões. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, com 87% do volume sendo comercializado in natura.
Vigilância ativa e passiva
Torres ressalta a relevância da vigilância passiva da febre aftosa, aquela realizada por entes privados, na detecção precoce da doença, pois garante a notificação ao SVO de maneira tempestiva, de modo que os focos ainda sejam controláveis. “Para isso, é importante que o profissional se capacite e conheça os sinais clínicos da doença. Assim, faço o convite para que os médicos-veterinários privados façam o curso EaD gratuito oferecido pelo Panaftosa, acessando o link https://portalpanaftosa.org/pt/course/view.php?id=1945”.
Para o coordenador da Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo (CDA), Henrique Barrochelo, o reconhecimento internacional da sanidade dos rebanhos traz benefícios relevantes, especialmente pela abertura comercial aos produtos pecuários, principalmente bovinos e suínos, paulistas e brasileiros. Segundo o coordenador, o País atinge o patamar mais elevado de reconhecimento, o que reforça a qualidade e credibilidade dos SVOs, que reflete, inclusive, na confiança internacional de outros produtos agropecuários para além das carnes, leite e seus derivados.
“O médico-veterinário teve papel central na conquista da erradicação da febre aftosa, liderando as campanhas de vacinação nos setores públicos e privados. Foram muitos anos de trabalho duro, promovendo orientações técnicas para a correta vacinação dos rebanhos e atuando no controle dos surtos da doença, permitindo alcançar a erradicação do vírus. Agora, o médico-veterinário continua com o protagonismo de promover a vigilância ativa e passiva com vistas à detecção precoce da doença caso ela regresse, permitindo uma resposta eficiente para controle imediato. Promover e vigiar a saúde animal é garantir bem-estar aos animais, segurança alimentar à humanidade, equilíbrio ambiental e progresso econômico ao País”, ressalta Barrochelo.
Novos desafios
“A conquista é resultado do trabalho conjunto dos setores público e privado, que, há décadas, atuam de forma coordenada para erradicar a doença no território nacional. A retirada da vacinação foi um passo crucial para comprovar a erradicação do vírus. O novo desafio será manter esse status e garantir a sustentabilidade sanitária alcançada”, afirma Torres.
O médico-veterinário especializado em febre aftosa da Panaftosa/Opas destaca que, para a manutenção do status de país livre de febre aftosa sem vacinação, as estratégias dos países têm que estar embasadas em medidas de prevenção, detecção precoce em caso de reintrodução e capacidade de resposta rápida e eficaz à emergência. São medidas que exigem constante capacitação, coordenação e comunicação.
Para o coordenador da CDA-SP, a partir do reconhecimento, há uma mudança na forma de atuação e a exigência de uma maior participação do setor produtivo. O controle passa a se basear mais em vigilância ativa feita pelo SVO, e passiva por meio de notificações advindas do produtor rural. “É uma responsabilidade compartilhada, pois ao menor sinal de alterações, o produtor deve notificar o SVO para que haja uma intervenção rápida e eficiente no possível foco da doença”, enfatiza Barrochelo.
O presidente da Comissão Estadual do Agronegócio do CRMV-SP, Sílvio Hungaro, lembra que o reconhecimento pela Omsa foi o resultado de um longo processo, iniciado nos anos 1980, bem planejado e executado aliando esforços do Mapa, da indústria de saúde animal, das secretarias da Agricultura e de produtores, médicos-veterinários e zootecnistas.
“A monitoria, acompanhamento e vigilância nos estados livres é um esforço contínuo e coletivo. A carne brasileira tem qualidade e volume para atender muitos mercados. Agora, com a chancela de livre de febre aftosa sem vacinação, é possível alcançar mercados que mantinham restrições quanto à origem, o que pode ampliar o volume de exportações de carne bovina do Brasil, contribuindo para a expansão da produção, maior oferta de emprego e melhor remuneração ao setor”, afirma Hungaro.
Uma Só Saúde
Pode-se dizer que o reconhecimento conquistado pelo Brasil de país livre de febre aftosa sem vacinação passa também por ações calçadas no conceito de Uma Só Saúde. Para Torres, embora não seja uma zoonose clássica, a doença impacta na economia, na segurança alimentar e, portanto, na saúde humana, de maneira indireta. E sua erradicação melhora a oferta de proteínas de origem animal e contribui para a estabilidade econômica de populações vulneráveis.
“A luta contra a doença exige a colaboração contínua do SVO, médicos-veterinários privados, produtores rurais, pesquisadores, indústrias, entre outros, o que demanda políticas públicas coordenadas e intersetoriais para otimizam os avanços sanitários. A erradicação da febre aftosa facilita o comércio internacional e contribui para a segurança sanitária global, já que a circulação de doenças transfronteiriças é uma preocupação crescente no contexto de Uma Só Saúde”, ressalta o representante da Panaftosa.
Barrochelo salienta que para o reconhecimento internacional, a Omsa avalia se o Serviço Veterinário Oficial do Brasil e seus estados estão preparados, devidamente equipados, e se são capazes de realizar detecção e resposta rápida para o controle de doenças, como a febre aftosa, que têm impactos indiretos na Uma Só Saúde, sobretudo pelas consequências econômicas – problemas mercadológicos, custos relacionados ao controle da doença, sacrifício sanitário de animais –, na segurança alimentar – desabastecimento de carnes, leite e seus derivados – e no meio ambiente – animais silvestres podem ser acometidos pelo vírus, e enterramento de carcaças de animais sacrificados.
[CRMV-SP]